Vicky’s list: Os meus 10 álbuns favoritos de Bowie

Literalmente estou há anos tentando voltar a escrever aqui, e tentando quem sabe finalmente conseguir ser uma blogueirinha, mesmo que nos dias atuais isso seja coisa do ano passado já que o negócio é ser TikToker com challenges e dancinhas engraçadas.

Como eu não sei dançar, não tenho paciência para edição de vídeos e estou velha demais para essas coisas de gente jovem vou retomar aqui, sem grandes genialidades e nem pretensões, compartilhando a ideia também nada genial que tive no meu blog principal de criar listas que falem sobre um assunto que ninguém se interessa: o meu gosto musical.

Então, sem mais delongas, ainda no mês no qual celebramos a ascensão e queda daquele que abalou a Terra vamos a lista com os meus 10 álbuns favoritos de David Bowie.

E lembrem-se isso é só a minha opinião, sem análise de qualidade, de méritos, nem nada mais. Uma conversinha de fãs, e quem quiser compartilhar a sua própria lista, a caixa de comentários está à disposição

10.  Low

Lançamento: 14 de janeiro de 1977

Gravação: entre setembro e novembro de 1976

Estúdios: Château d’Hérouville, Hérouville, França / Hansa, Berlin Ocidental

Produtores: David Bowie e Tony Visconti

Minha faixa favorita: Be my Wife

Low não aparecerá apenas na lista de uma fã pretenciosa que acredita saber escrever sobre música ou julgar o trabalho de David Bowie, mas sim em todas as listas dos álbuns mais importantes e influentes gravados durante todo o século XX.

Apesar de ser considerado aquele que abre a genial Trilogia de Berlin, Low só foi finalizado na cidade alemã, tendo sido gravado no Châteu d’Hérouville na França, local no qual Bowie já havia gravado Pin-Up alguns anos antes. Foram durante essas sessões de gravação também que surgiu o grande The Idiot, trabalho de Iggy Pop produzido por Bowie, e que também pode ser considerado um dos trabalhos mais arrebatadores daquela década.

Bowie em O Homem que caiu na Terra

Na capa Bowie está vestido como o seu personagem no filme O homem que caiu na Terra, o extraterreste Thomas Jerome Newton, e o próprio naquela época não podia ser mais parecido com o personagem: uma pessoa deslocada da realidade, com o seu ego alimentado pela fama, envolto em um abuso de cocaína e álcool e influências de estudos de ocultismo. Vemos um Bowie dividido em tantos, como sempre foi, mas tentando na realidade encontrar quem realmente era. Seria o garoto de Brixton, o sexy e andrógeno Ziggy, o dissimulado White Duke? Ele vaga por sentimentos e versões de si em um álbum que não tem um lirismo único, tanto escrito, sonoro quanto inteligível.

As influências de Bowie para a sua criação foram os compositores clássicos que sempre ouviu, mas especialmente o que os alemães chamavam de Kosmiche Music e os ingleses de krautrock, composto por nomes como Neu!, Tangerine Dream e Kraftwerk. Era um som “vazio”, intenso que contrapunha em cheio com as letras e a busca como dito acima do artista e a sua real personalidade.

Apesar da relutância da RCA, então gravadora de David por 3 meses em lançar o álbum, Low alcançou o número 2 nas paradas do Reino Unido e o 11º posto nos Estados Unidos.

9. Station to Station

Lançamento: 23 de janeiro de 1976

Gravação: outubro de 1975

Estúdio: Cherokee Studio, Los Angeles, Estados Unidos

Produtores: David Bowie e Harry Maslin

Minha faixa favorita: Wild Is the Wind (PS: eu sei que é cover)

O mais fascinante e ao mesmo tempo complicado de se falar sobre a obra de David Bowie é que toda ela em si segue uma linha e sempre está ligada. Acabei de falar sobre o sucessor de Station to Station, sobre Thomas Jerome Newton, e agora escolho um álbum que foi gravado justamente “na ressaca” da trilha sonora sonhada, projetada e idealizada, porém nunca lançada de David para o filme O Homem que Caiu na Terra, do qual Newton é o personagem principal, e que tem na sua capa uma cena do mesmo filme com Bowie caracterizado como o talvez segundo personagem mais conhecido da sua carreira cinematográfica (desculpem mas Jareth de O Labirinto é imbatível).

David ao longo de sua vida por muitas vezes disse que não se lembrava de nada da gravação de Station to Station, que foi feito durante apenas 10 dias – na realidade 10 longas madrugadas – no auge do seu vício em cocaína, em Los Angeles. Para os que são mais letrados nas artes Bowiezistícas, ou que pretendem ser, o que vemos no documentário The Cracked Actor funciona como background para entendermos o Bowie que estava por trás deste trabalho: no auge do seu vício de cocaína, magro, com uma dieta a base de leite e pimentões.

“Eu estava em outro mundo naquela época. Em um planeta completamente diferente. Honestamente eu não tenho ideia do que pensei entre 1975 e 1977. ”

Bowie, 1993

Station to Station é o álbum que marca realmente a transição de Bowie para a suas “três joias da coroa”: Low, Heroes e Lodger. Vindo de um trabalho que havia se dedicado quase que exclusivamente a soul music dos Estados Unidos, ele abraçava aqui uma sonoridade que brincava com novos efeitos, arranjos de guitarra capazes de tomar uma sala – e a sua alma – de assalto e letras que brincavam com algo que influenciava a ele naquela época: estudos de ocultismo, numerologia e uma dose de teorias da conspiração.

The Thin Wihite Duke

O álbum abre com o som de um trem deixando a plataforma, uma jornada da escuridão para a luz? São 10 minutos que chegam como as trombetas que servem de arautos para a entrada da talvez mais última conhecida persona criada por Bowie: The Tin White Duke, vestido com um terno preto e camisas brancas de corte perfeito, uma imagem hipnotizante, linda e feita de gelo, apesar de cantar com um tom que parecia sufocado dentro de si. O Duke depois passou a ser uma certa “assombração” para o próprio David já que a sua figura foi associada a imagem do Super-Homem Ariano, baseado em Nietzche e que foi sequestrado pelo Nazismo. Bowie fez declarações polêmicas ao dizer que Hitler talvez tenha sido o primeiro rockstar.

Station to Station continua até os dias de hoje sendo o álbum mais vendido de Bowie nos Estados Unidos.

8. Young Americans

Lançamento: 7 de março de 1975

Gravação: de agosto de 1974 a novembro de 1974 na Filadélfia. Janeiro de 1975 em Nova Iorque

Estúdios: Sigma Sound Studios, Filadélfia, Estados Unidos. Electric Lady Studios, Nova Iorque, Estados Unidos.

Produtores: David Bowie, Tony Visconti e Harry Maslin

Minha faixa favorita: Right

Não faziam dois anos que Bowie havia matado em pleno palco o seu lendário alienígena Ziggy Stardust, abrindo espaço para Aladdin Sane e Halloween Jack que traziam também o espírito de caos e estranheza que fascinava a todos quando Bowie declarou que o “Rock and roll era apenas uma senhora velha e destentada”. Os Beatles já haviam se separado, os Rolling Stones pareciam sem rumo em meio aos vícios e abusos de Keith Richards e Mick Jagger, e o Led Zeppelin também estava à beira do abismo.

E como David Bowie poderia reagir a isso tudo? Simplesmente gravando um disco de outro estilo musical, dedicado ao soul e o R&B dos Estados Unidos.

A paixão e admiração de Bowie pela música negra dos Estados Unidos, não era algo novo, desde a sua adolescência sempre fora um grande admirador de nomes como Little Richard, a quem sempre considerou um semideus. Seu pianista e colaborador Mike Garson, dizia se recordar de Bowie andando com fones de ouvidos durante as viagens nas limusines nos quais cruzava o país fascinado pelos poderosos vocais de Aretha Franklin. Mas foi durante as turnês do seu álbum anterior Diamond Dogs que Bowie finalmente teve um contato mais profundo e direto com a black music, durante a residência na Filadélfia para as gravações dos shows desta turnê que acabariam por se tornar o disco ao vivo David Live, ele entrou pela primeira vez no Sigma Studios o local de gravação considerado a casa do som negro que caracterizava a cidade.

O plastic soul de Bowie é um cartão postal que pela primeira vez registra tão abertamente a influência de um músico branco pela música negra. Já sabemos que Elvis roubou o seu estilo dos negros do Sul dos Estados Unidos e que James Joplin emulava o canto de potentes vozes negras, mas naqueles dias tudo isso ficava embaixo do tapete.

Após as gravações na Filadélfia, quando Tony Visconti já estava em Londres mixando o trabalho, ele recebeu uma ligação de David avisando que acabara de escrever uma música com um certo Jonh Lennon. Os dois haviam se conhecido na cena noturna de Nova Iorque e isso rendeu uma reunião no lendário Electric Lady Studios (estúdio construído e fundado também por um tal Jimi Hendrix) e na gravação da música que se tornaria a primeiro número um de Bowie nas paradas do Estados Unidos: Fame que conta com John nos vocais de apoio. Além disso Lennon também supervisionou pessoalmente a gravação do cover de Across The Universe da sua ex- banda (e minha música favorita dos Beatles). Lembrando que a faixa que abre o disco e que dá nome a eles também tinha uma referência direta a letra de A Day In Life (“I heard the news today oh boy!”).

Bowie na capa do álbum surgia impecável em um terno Pierre Cardin, com direito a suspensórios. Seu rosto branco e incrivelmente magro (dizem que ele pesava 40 kg a época) estavam emoldurados em cachos dourados. Em resumo somente Deus faria um quadro mais perfeito.

7. The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars

Lançamento: 16 de junho de 1972

Gravação: de julho de 1971 a fevereiro de 1972

Estúdio: Trident, Londres, Inglaterra.

Produtores: David Bowie e Ken Scott

Minha faixa favorita: Rock and Roll Suicide

Primeiramente me desculpem que o álbum está tão aqui embaixo, mas entendam sou uma cria dos anos 80 então todas as minhas referências de Bowie, principalmente as mais emocionais estão dessa década em diante.

Agora vamos a tarefa mais difícil de todas: como resenhar algo que simplesmente mudou a história de como a música e os seus astros se relacionam com a fama, público, palco e mídia, mas acima de tudo entrega uma obra musical primorosa?

Restam apenas 5 anos para que a Terra não seja destruída em um grande evento apocalíptico, e quando não parece que teríamos mais esperanças, eis que vem do céu, um andrógino, bissexual, alienígena, rockstar para nos salvar. Infelizmente ele acaba indo longe demais e comete um suicídio rock and roll. Esse é o roteiro básico dessa obra-prima que nada mais é do que uma grande opera rock que caiu feito um meteoro, destruindo o universo e criando um efeito semelhante ao Big Bang do que seria a carreira de Bowie a partir daquele momento.

Na sonoridade, enquanto o seu antecessor Hunky Dory, se baseava em arranjo de teclados, temos aqui o surgimento de guitarras que são a cama perfeita para todas as músicas, as influências sonoras ficam por conta de Stooges (lembrando que depois Bowie se tornaria amigo e parceiro de Iggy Pop como já dito acima), Lou Reed (mais um que entraria para a roda de amigos de Bowie).

Mesmo que você decida escutar as faixas separadamente, sem se preocupar com a ordem ou com a história que está ali para contar, o que encontrará serão obras primas como Starman que não é uma música, mas uma verdadeira força do universo. A faixa que nos conta a história do nosso herói, Ziggy Stardust é de uma riqueza melódica, sem linearidade, com as guitarras que nos fazem viajar exatamente como se estivéssemos lendo um livro, suaves e baixas na introdução, quando somos apresentados a ele e que aumenta em intensidade enquanto os seus talentos e narrativas nos chegam.

Ziggy não cometeu suicídio, mas foi morto pelo seu criador, sema viso prévio, sem que os membros da banda que o acompanhavam soubessem, no palco do Hammersmith Odeon em Londres, no lugar onde criador e criatura nasceram. A filmagem de 3 de julho de 1973, acabou se tornando um especial de TV no ano seguinte.

Estima-se que o disco tenha vendido mais de 7,5 milhões de cópias no mundo até os dias de hoje, sendo o segundo disco mais vendido do cantor.

6. Outside (The Nathan Adler Diaries: A Hypercycle)

Lançamento: 25 de setembro de 1995

Gravação: de março de 1994 a fevereiro de 1995

Estúdio: Mountain Studios, Montreux, Suíça.

Produtores: David Bowie, Brian Eno e David Richards

Minha faixa favorita: Strangers When We Meet

A coisa mais peculiar que pode aparecer na minha trajetória como fã de Bowie, foi que exatamente um álbum que pode ser considerado experimental, e com uma estética que assustaria a muitas crianças de 11 anos fez com que eu descobrisse que David Bowie e Jareth o apaixonante Rei dos Duendes da minha infância eram na realidade a mesma pessoa.

Frames do clipe de Strangers When Meet, ou de quando eu me reapaixonei por David /Bowie

Em 1995 eu tinha 11 anos, e era uma das sortudas pré-adolescentes dos anos 90 que tinha acesso a uma antena UHF e consequentemente a MTV. Bowie era onipresente nas tardes e inicios de noite com The Heart’s Filthy Lesson, Hallo Spaceboy, e Strangers When We Meet e foi nessa fase da minha vida que eu comecei a realmente associar que o meu Jareth encantando era ele.

Brian Eno e David Bowie não trabalhavam juntos desde os anos 70, quando se reconectaram durante a festa de casamento do cantor com a modelo (musa e deusa) Iman Abdulmajid. Além de tocarem juntos algumas músicas que os convidados puderam aproveitar na pista de dança, eles conversaram sobre como “ambos estávamos mais interessados em mordiscar a periferia do mainstream do que em pular diretamente. Mandamos um aos outros longos manifestos sobre o que estava faltando na música e o que deveríamos fazer. Decidimos realmente experimentar e ir ao estúdio sem a mínima ideia”, afirmou Bowie em entrevista ao jornal USA Today na época de lançamento do álbum.

David que vinha de dois trabalhos de relativo sucesso – Black Tie White Noise de 1993 e a trilha da série da BBC The Buddha of Suburbia -¸e de outros dois álbuns e turnês com a banda Tin Machine, abraçou o projeto de um novo trabalho com Eno, sem nenhuma letra na cabeça, mas ciente de que trabalhar com ele não seria nada óbvio. A primeira missão de ambos foi uma visita visitaram o hospital psiquiátrico Gugging, próximo a Viena, na Áustria, no início de 1994 onde entrevistaram e fotografaram seus pacientes, que eram famosos pela sua “Arte Exterior” (“Outsider Art”, em inglês).

As inspirações para as letras, que foram todas escritas dentro do estúdio e com a banda trabalhando junto com David, vieram não apenas da visita ao hospital, mas também das narrativas de realismo fantástico e obras de ficção que ambos mostravam interesse desde a juventude. A sonoridade bem distante da influência do pop e da música negra que David usara em seus trabalhos anteriores, sofria agora a forte influência da house music e da própria sonoridade dos trabalhos solos que Eno desenvolvera ao logo dos anos.

O álbum acaba em resumo, sendo a narrativa das experiências desse paciente fictício Nathan Adler, vivendo em um distópico 1999 em que o governo, através de sua comissão de artes, criara uma divisão para investigar o fenômeno do Art Crime (“Crime de Arte”). Nesse futuro, assassinato e mutilação haviam se tornado uma nova loucura da arte underground. O personagem principal, Nathan Adler, tinha de decidir o que dessa arte era legalmente aceitável e o que era, em uma só palavra, lixo.

Outside acaba por conversar muito com Diamond Dogs quando o assunto geral é justamente esse caos de uma distopia. A ideia de ambos era que fossem feitos álbuns anuais dando continuidade sobre a narrativa de Adler, mas isso não saiu do papel.

A capa do álbum é um autorretrato de Bowie.

5. Aladdin Sane

Lançamento: 13 de abril de 1973

Gravação: outubro 2000 – janeiro 20002

Estúdios: De 6 de outubro de 1972 a 24 de janeiro de 1973 no Trident Studios, Londres, Inglaterra e RCA Studios em Nova Iorque e Nashville, Estados Unidos

Produtores: David Bowie e Ken Scott

Minha faixa favorita: Lady Grinning Soul

“É a Monalisa do pop”, declarou Chris Duffy filho do fotógrafo Brian Duffy sobre a imagem da capa de Aladdin Sane, e isso não poderia ser mais verdade. Mesmo que você nunca tenha ouvido uma só música de Bowie, com certeza já viu a imagem dele, ou do Mickey, ou da Princesa Lea de Star Wars, ou de Audrey Hepburn ou até mesmo de Wesley Safadão com um raio vermelho e azul pintado por sob a face.

Aladdin Sane sucedeu Ziggy Stardust. Pense em algo mais ou menos assim: e se o alienígena não tivesse cometido o suicídio no final do seu álbum tivesse ficado na Terra, mas não em Londres onde chegou, mas teria se mudado para os Estados Unidos. Lá do outro lado do mundo, ele assumiria um novo nome, um novo visual e passaria boa parte do seu tempo se infiltrando entre os terráqueos e também vagando por entre as cidades para entender como funcionaria o Novo Mundo que tinha ajudado a salvar do apocalipse. Essa pode ser uma boa fábula para entender um pouco sobre essa obra. Aliás, em uma de suas diversas entrevistas, o próprio David definiu o álbum como “Ziggy vai à América”

A maioria das músicas foram escritas durante as idas e vindas de Bowie e sua banda durante a turnê de Ziggy Stardust , e o estranhamento misturado com a vontade de pertencer aquele lugar são a tônica da história contada por todo o disco. A sonoridade do trabalho não seria a mesma sem a genialidade onipresente do pianista Mike Garson, que faz com que as faixas sejam uma junção de rock com o estilo cabaré e meio crooner dos anos 40 dos quais David era um grande fã. Nada mais dicotômico – e Bowie – do que um homem de cabelos vermelhos cantando uma música como Lady Grinning Soul que parece ter nascido de um piano bar de um hotel e feita para tocar em uma trilha dos filmes de 007.

O título do álbum é um trocadilho com “A Lad Insane ” (“Um Rapaz Insano”). Uma versão anterior era “Love Aladdin Vein” (algo como “amar um rapaz em vão”), que Bowie, em parte, abandonou por causa da conotação relacionada a drogas.

4. Heathen (uǝɥʇɐǝɥ)

Lançamento: 11 de junho de 2002

Gravação: outubro 2000 – janeiro 20002

Estúdios: Allaire Studios e The Looking Glass Studio, Nova Iorque, Estados Unidos

Produtores: David Bowie, Tony Visconti, Mark Plati, Gary Miller e  Brian Rawnling

Minha faixa favorita: I Would Be Your Slave

Um dos meus grandes arrependimentos e não ter a menor memória do primeiro disco que Bowie lançou durante a minha vida adulta. Heathen saiu no mesmo ano no qual fiz 18 anos, mas foi o meu ano perdido para a vida, já que estava naquela neura de pensar em mais nada que não fosse o vestibular.

E me dói mais ainda saber que além de eu ter perdido o lançamento de uma obra de arte, ainda seria o penúltimo antes que ele desaparecesse das nossas vistas por tanto tempo, sabe aquilo que você só valoriza quando perde? Sou eu e Heathen, um álbum que me dilacera de muitas maneiras que eu não sei entender o porquê. Talvez seja porque nele esteja depois de tanto tempo um Bowie totalmente entregue, humano, cantando sobre a passagem do tempo, os desencontros, a vida que havia mudado tanto. Ali ele não era um ser de outro planeta, ele não era imbatível, ele era um pai, um homem encarando uma metrópole que passara por um pesadelo e que era a sua casa, mesmo que as vezes ele parecesse apenas um andarilho deslocado. Era David com uma voz que mistura tantas outras que ele já teve e emprestou de outros por tantas vezes. Era o Bowie mais verdadeiro desde aquele que chegará em Berlin nos anos 70 e que a gente só iria reencontrar novamente alguns anos depois nos seus dois últimos trabalhos.

E eu me arrependo muito de ter deixado isso passar diante dos meus olhos, enquanto eu estava afogada por sobre uma pilha de livros e cobranças.

Heathen marcou o reencontro de David com Tony Visconti após mais de 20 anos (o último trabalho de ambos juntos havia sido em Scary Monsters lançado em 1980) e surgiu das cinzas de um jamais lançado trabalho, Toy, o qual Bowie já havia comentando em entrevistas e dos quais os fãs aguardavam e esperavam já há dois anos. Os trabalhos no disco haviam se iniciado um pouco após a gigantesca apresentação do cantor no Festival de Glastonburry em 2000, mas o resultado final não agradou a então gravadora dele que acabou pedindo que um novo trabalho fosse feito. Bowie acabou sendo dispensado pela EMI / Virgin, assinou um contrato de US$3,5 milhões de dólares com a Colúmbia. Pegou as ideias do que havia trabalhado no ano anterior – unir músicas novas e algumas antigas – e lançou o seu primeiro álbum dos anos 2000.

Apesar de a “cozinha” do disco ser composta por David, que desde o começo das gravações já assumira os teclados, mas depois acabou tocando também guitarra, saxofone e mais outros instrumentos, Tony Visconti e Carlos Alomar, Heathen conta com duas participações de peso: Pete Townshend, lendário guitarrista do lendário The Who aparece para emprestar o seu talento a faixa Slow Burn, enquanto Dave Grohl foi o convidado de I’ve Been Waiting for You, cover da canção de Neil Young.

Outras duas covers que aparecem no álbum são Cactus, do Pixies (a melhor cover do disco e na minha opinião mesmo amando Pixies, superior do que a original) e I Took a Trip on a Gemini Spaceship, de Norman Odam, também conhecido como o Legendary Stardust Cowboy, uma inspiração para Ziggy Stardust.

Apesar de ganhar uma turnê (a que seria a penúltima de David) para a divulgação do álbum, Heathen teve apenas um videoclipe, Slow Burn. Na época do lançamento David declarou

Sou muito realista. Chega uma certa idade em que você não aparece mais [na TV]. Os jovens têm de matar os velhos…. É assim que funciona a vida… é assim que funciona a cultura.” 

Por isso, não seriam feitos videoclipes para o álbum

Na minha opinião uma bobagem, porque o Bowie dos 55 anos, era tão mágico, místico e sedutor quanto havia sido aos 20, 30 ou 40 anos.

Heathen significa pagão em português, e na capa do disco, Bowie com os olhos totalmente brancos, pode estar dialogando com um dos grandes símbolos do Cristianismo: o peixe. No encarte, vemos pinturas religiosas rasgadas e, numa foto reveladora, três livros: A Gaia Ciência, de Nietzsche, A Teoria Geral da Relatividade, de Albert Einstein e A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud. Segundo David, as três obras estavam ali porque seus autores são símbolos da destruição das bases do pensamento no final do século XIX. A morte de Deus, a compreensão de tempo e de espaço a partir de Einstein e a descoberta do inconsciente mostram, o que segundo Bowie mostrava que “tudo que pensávamos até ali estava errado”

5. Heroes

Lançamento: 14 de outubro de 1977

Gravação: julho e agosto de 1977

Estúdio: Hansa Tonstudio, Berlin Ocidental, Alemanha

Produtores: David Bowie, Tony Visconti

Minha faixa favorita: Heroes

Desculpem-me por não saber se o recorde ainda permanece, mas até agosto de 2017, Heroes tinha sido a faixa mais ouvida de todos os tempos dentro do Spotify com mais de 1 bilhão de streams dentro da plataforma.

Heroes, não é uma música, mas é um hino, e dizer isso não é nenhuma novidade, e nada criativo, eu sei, mas enquanto estou aqui pensando no que escrever sobre esse disco ela está tocando nos meus fones e eu só consigo pensar em como ela é tão forte, tão verdadeira e tão universal. Heroes é a música perfeita para se ouvir depois de uma grande batalha, é perfeita para incentivar um time, é perfeita para tentar se livrar de um amor desses que não valem a pena, é perfeita para planejar uma viagem, para ler um livro. Heroes é aquele tipo de música que se molda a cada momento e a cada um que a escuta.

155 Hauptstraße , Schöneberg, Berlin

E eu não posso deixar de ser nada mais do que sentimental quando falo sobre esse disco que fez com que Bowie deixasse de ser “apenas” um rock star e se tornasse realmente um artista. Mesmo que seu senso estético, de criação de personas, gestão da sua imagem sempre tivesse sido mais do que invejável desde o início de sua carreira e tivesse que ele antes dos 30 anos já fosse uma das vozes e dos rostos mais conhecidos do mundo, foi em Heroes que todo o seu talento para ser um colecionador como ele mesmo se referia foi consolidado.

Bowie chegara em Berlin, com seu amigo Iggy Pop ao seu lado, querendo deixar de lado a vida de abusos e toda a bajulação que vivia em Los Angeles, pensando – ou não – traçar para si um novo caminho, e quem sabe se encontrar. Ambos alugaram um apartamento no número 155 da Hauptstraße , no distrito de Schöneberg, um bairro que guardava algumas cicatrizes da Segunda Guerra Mundial, como toda a Berlin, mas também era habitado por diversos imigrantes, especialmente turcos.  

Fripp, Bowie e Eno durante as gravações de Heroes

Na cidade dividida pelo Muro, e literalmente aos seus pés, pois o majestoso Hansa Studio estava há menos de 500 metros, Bowie, Tony Visconti e Brian Eno começaram a criar essa obra de arte do século XX. Heroes foi um disco praticamente composto em estúdio, apenas uma música – Sons of the Silent Age – chegou já “pronta”.

Assim como a Berlin a sua volta, como si próprio, como o seu trabalho anterior Low, Heroes tem dois lados distintos. O primeiro mostra um Bowie esperançoso, acreditando em si e na sua busca por uma vida sem drogas. O som apresentado é metálico e elétrico, e com grande influência não apenas de Eno e dos seus sintetizadores, mas do guitarrista Robert Fripp, que sairá da sua recente aposentadoria para abraçar aquele projeto. No segundo lado, vemos algo mais aberto com David tocando o instrumento japonês koto Moss Garden ou fazendo seu sax soar cheio de influência da cultura árabe em Neuköln, talvez seja o lado b muito mais sobre o ambiente, do que sobre David.

A foto da icónica capa foi inspirada pelos trabalhos do artista alemão Erich Heckel, em particular a obra Roquairol, que também serviu de modelo para a capa de The Idiot, de Iggy Pop, lançado no mesmo ano e produzido por Bowie.

2. The Next Day   

Lançamento: 8 de março de 2013

Gravação: *

Estúdio: The Magic Shop, Nova Iorque, Estados Unidos

Produtor: Tony Visconti

Minha faixa favorita: Where Are We Now?

Nenhum disco de Bowie vai ser mais emocional para mim do que The Next Day, porque foi ele que me fez acreditar que talvez finalmente eu tivesse a chance de conseguir vê-lo ao vivo, que talvez finalmente ele saísse da caverna onde tinha se enfiado e fosse voltar a fazer shows, e que finalmente, nós poderíamos ver que aquele semideus não era só apenas parte da História, mas alguém real.

Quando em janeiro daquele 2013, no dia do seu aniversário, eu acordei e escutei Where Are Now? Simplesmente eu chorei, como talvez só choraria novamente 3 anos depois quando ele se foi. Lembro do clipe com as cenas da cidade que eu sonhava tanto em conhecer e o salto que meu coração deu na boca quando ele finalmente aparece nos últimos minutos do vídeo. Logo veio o álbum completo e mais vídeos, mas nada de David. Não houve uma entrevista, um show, nada. Ele voltou depois de 10 anos e se foi tão rápido quanto.

E foi The Next Day que me acompanhou nos fones de ouvido nos congelantes dias de Berlin, quando eu a conheci no ano seguinte a partida dele. Bowie foi o melhor companheiro de viagem que eu poderia ter tido. Nós caminhamos juntos pela Alexanderplatz, nós andamos por sobre e sob a neve e a chuva fina no final de tarde depois de um tour pelo Hansa Studio, nós dois sentamos no Neues Ufer, tomamos um chá e quem sabe fumamos um cigarro juntos do lado de fora antes de pegarmos o metrô.

Eu tinha 29 anos quando o The Next Day saiu, Bowie 66. E ele me fazia voltar a acreditar na boa música, no rock de verdade, o seu disco pode não ser tão inovador sonoramente como antes, ou tão misturado com um milhão de referências como as bandas que tocavam aquela época, mas quem precisa disso, quando já se é uma divindade? Bowie e Tony Visconti aparecem a fórmula nascida para dar certa, uma dupla agridoce que se conhece bem demais. Bowie se referência, conversa com si, é saudosista, mas não pedante, triste ou melancólico. O diálogo entre o futuro e o passado, o seu eu de hoje e o que tinha sido na mesma Berlin conversam desde a capa do disco.

Não tem resenha técnica, não tem comentário com base em mais nada, esse é um disco que não sei explicar apenas sentir.

1. Let’s Dance 

     

Lançamento: 14 de abril de 1983

Gravação: Dezembro de 1982

Estúdio: Power Station, Nova Iorque, Estados Unidos

Produtores: David Bowie

Minha faixa favorita: Modern Love

Esse é meu bracinho, com a minha música favorita do Bowie.

Sim meu povo, meu álbum favorito do Bowie é aquele bem farofa, aquele feito para vender – o que funcionou já que até hoje é o disco mais vendido dele com mais de 11 milhões de cópias – com todos os refrãos fáceis e tudo mais.

Sou uma criança dos anos 80, que nem lembra direito a primeira vez que ouviu o homem, ou seja, nada mais justo do que esse ser o disquinho do coração.

Bowie acabara de entrar nos anos 80 assinando um contrato – até então um dos maiores da História da música – com a gravadora EMI: 17,5 milhões de dólares. E como fazer jus a esse caminhão de dinheiro? Lançando um disco que vendesse bem, tocasse nas rádios e trouxesse seu nome de volta a todos os holofotes. Para isso David recrutou Nile Rodgers para a produção do trabalho. Nile, além de produtor era guitarrista do Chic, responsável por hits como Le Freak e Good Times.

Rodgers afirmou que Bowie, um dia, veio ao seu apartamento e o mostrou uma fotografia de Little Richard com um terno vermelho entrando num Cadillac vermelho vivo, e disse: “Nile, querido, é assim que quero que o meu álbum soe.”

Bowie estava há 3 anos sem lançar um disco próprio, desde a morte de John Lennon que o abalou profundamente haviam sido apenas alguns trabalhos pontuais, como a gravação da faixa Cat People (Putting Out Fire) trilha para o filme Cat People, na mesma seção foi gravada uma pérola da discografia de Bowie e uma das músicas que seja mais emblemáticas até os dias atuais, a sua parceria com a banda Queen, Under Pressure. Ele também havia se dedicado a interpretação, participando da adaptação musical da peça Baal de Bertolt Brecht, dirigida por Alan Clarke e transmitida pela BBC, além de ter participado de dois filmes: Fome de Viver (The Hunger) e Furyo, em Nome da Honra (Merry Christmas, Mr. Lawrence).

Foi nesse cenário que ele recebeu na sua casa na Suíça Nile e os dois começaram a trabalhar na pré-produção do disco, os trabalhos depois migraram para o Power Station em Nova Iorque e foram concluídos em apenas 17 dias, pela primeira vez David não repetia nenhum músico de seus trabalhos anteriores, mas a banda formada por Rodgers não deixava nada a desejar, ele assumiu a guitarra base, , o tecladista Robert Sabino e o percussionista Sammy Figueroa  colaboradores frequentes dos seus trabalhos com  Chic . Os músicos restantes incluíam o baterista Omar Hakim (a quem Bowie chamou de “um baterista fascinante com um timing impecável”), o baixista Carmine Rojas, o trompetista Mac Gollehon e os saxofonistas Stan Harrison, Robert Aaron e Steve Elson.

Let’s Dance foi o primeiro álbum no qual Bowie não tocou um instrumento, e o que custou um hiato de quase 20 anos na sua amizade com Tony Visconti, já que este descobriu que tinha sido preterido para a produção do álbum quando David já estava em estúdio com Rodgers.

O disco deu origem a turnê Serious Moonlight a maior do artista desde a Isolar II de 1978 e durou de maio a dezembro de 1983.

Bowie disse mais tarde que o sucesso do álbum o levou a atingir um ponto baixo criativo em sua carreira, que durou alguns anos.

“Lembro-me de olhar para pessoas [que estavam vindo para ouvir este álbum tocado ao vivo] e pensar, ‘Eu me pergunto quantos álbuns do Velvet Underground essas pessoas têm em suas coleções de discos?’ De repente, me senti muito distante do meu público. E foi deprimente, porque eu não sabia o que eles queriam. “

David, o povo queria era dançar e ver você lindo demais com aqueles cabelos prateados e os ternos coloridos.

Let’s Dance foi indicado ao Grammy de Melhor Álbum de 1984, mas acabou por ser derrotado por Michael Jackson e seu Thriller.

Post para ser lido ao som dessa playlist maravilhosa:

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